Cinco Solos: a arquitetura do gesto e do silêncio
Cinco Solos nasce como uma série de 29 folhas em feltro sintético recortado a laser, produzidas por Adalgisa Campos em 2022 durante sua residência na La Chambre Blanche, no Canadá. Cada página funciona como um “solo” autônomo, mas que, ao se reunir às demais, evoca paisagem, corpo e estrutura. A obra expande, em forma e conceito, investigações já presentes em outros projetos da artista, aprofundando a relação entre desenho, repetição, espacialidade e gesto.
Cinco Solos, 2022, Feltro sintético recortado a laser, 29 páginas. 21 x 29,7 cm cada
O uso do feltro — material sensível, macio, de origem industrial — é aqui confrontado pela precisão técnica do corte a laser. Essa fricção entre o orgânico e o mecânico produz uma tensão sutil: há uma regularidade geométrica que aponta para a abstração moderna, mas que é logo distendida pelas curvaturas naturais do tecido, pelas imperfeições do manuseio, pelas dobras imprevisíveis. O livro se transforma, assim, em um corpo que respira.
A obra ganha forma como um livro-objeto de presença escultórica, cuidadosamente editado à mão. Essa versão prolonga a experiência visual em uma cadência temporal e rítmica — o ato de folhear se torna gesto coreográfico, em que a mão guia o olhar e a repetição adquire densidade meditativa. Cada folha é ao mesmo tempo imagem e intervalo, plano e profundidade, silêncio e vibração.
Cinco Solos, 2022, Feltro sintético recortado a laser, 29 páginas. 21 x 29,7 cm cada
Cinco Solos se inscreve com força na trajetória de Adalgisa, onde o desenho — entendido como modo de pensar, medir, habitar — permanece como eixo central. Seja em papel, parede ou tecido, a artista parte sempre de um princípio estrutural que se abre à sensibilidade do corpo e ao imprevisível do tempo. Seus trabalhos frequentemente ativam modos de ver e tocar que exigem pausa, deslocamento e escuta — como se a própria obra fosse uma arquitetura a ser habitada.
Com Cinco Solos, Adalgisa Campos tensiona categorias entre o livro e a escultura, entre a página e o espaço, entre o módulo e o infinito. É uma obra que pulsa entre o mínimo e o múltiplo, que convida à contemplação, mas também ao contato. Um gesto silencioso que funda território.